Parou um veado à beira do rio, mirando-se no espelho das águas. E refletiu:
- Bem mal feito de corpo que sou! A cabeça é linda, com estes formosos chifres que todos os animais invejam. Mas as pernas... Muito finas, muito compridas. A natureza foi injusta comigo. Antes me desse menos pernas e mais galharada na cabeça. Que lindo diadema seria! Com que orgulho eu passearia pelos bosques ostentando um enfeite único em toda animalidade!...
Neste ponto interrompe-o o latido dos veadeiros, valentes cães de caça que lhe vinham na pista, como relâmpagos.
O veado dispara, foge à toda e embrenha-se na floresta. E enquanto corria pôde verificar quão sábia fora a natureza dando-lhe mais pernas do que chifres, porque estes, com toda a sua formosura, só serviam para enroscar-se nos cipós e atrapalhar-se a fuga; e aquelas, apesar de toda feiúra, constituíam a sua única segurança. E mudou de idéia, convencido de que antes mil vezes pernas finas, mas velocíssimas, do que formosa mais inútil galhaça.
(Monteiro Lobato, in: "Fábulas")
(*) A norma ortográfica foi mantida, conforme no texto original.
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